Em 90 anos de história, ela é a terceira mulher a ocupar o cargo máximo da Universidade Federal de Minas Gerais, maior instituição de ensino superior do estado e uma das mais importantes do país. A professora Sandra Goulart assumiu a reitoria e fica no comando até 2022, com o vice-reitor, Alessandro Fernandes Moreira. Vice-reitora na gestão anterior, ela pretende manter e expandir programas, além de enfrentar desafios com inovação e administrar a já longa crise de orçamento. Com dinheiro a menos no caixa e valores ainda retidos nos cofres da União, a nova dirigente garante que não mexe nas ações de ensino, pesquisa e extensão, mas prevê dias difíceis diante da Lei do Teto dos Gastos Públicos, que estipula limite para despesas durante duas décadas. Em entrevista ao Estado de Minas, ela fala sobre esses e outros assuntos, como inclusão, prioridades, autonomia universitária, regras e supostas fraudes à política de cotas. Confira os principais trechos.
Que pontos da gestão anterior serão mantidos e o que muda?
Na parte acadêmica conseguimos manter, apesar de toda a crise orçamentária que vivemos nos últimos anos, a qualidade dos nossos programas, tanto da graduação quanto da pós. A UFMG recebeu a nota máxima nos dois quesitos principais do MEC (Ministério da Educação), coisa que apenas outras três universidades obtiveram. Ela tem nota 5 no Índice Geral dos Cursos e na avaliação que ocorreu in loco em 2016. Também tivemos avaliação dos programas de pós-graduação e foi comprovado que 63% dos nossos cursos são de qualidade internacional. Expandimos muito as redes de extensão, bem como os programas em parceria com a comunidade e com movimentos sociais. E fizemos toda uma gestão voltada para a inclusão, em paralelo à qualidade. Criamos a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão e elaboramos uma política dos direitos humanos muito importante. Vamos manter e expandir esses programas.
Quais são os desafios?
Um dos que temos colocado para as universidades de modo geral é pensar a produção de conhecimento em um novo contexto. Hoje, temos cada vez mais de nos mover para uma perspectiva transdisciplinar para a solução de problemas. Precisamos preparar nossos cursos de graduação e de pós para isso, favorecendo temas que são importantes para nosso país e para a humanidade. Isso será uma das prioridades. Temos também de pensar em um contexto mais amplo. A UFMG hoje é muito diferente do que era há 20, 30 anos, pois é cada vez mais inclusiva e precisa ser, para atender às demandas do nosso país. Temos 50% de nossos alunos vindos do ensino público e a cota para pessoas com deficiência. Mas, com isso, vem também uma série de desafios, pois temos de dar condições para que esses estudantes permaneçam, via políticas de assistência estudantil e de ações afirmativas. Outro desafio é pensar a questão da inovação no contexto mais amplo, e não só na transferência de tecnologia.
Os contingenciamentos estão equacionados?
Nossa grande preocupação é com a Lei do Teto dos Gastos Públicos, que deve valer por 20 anos. Se olharmos na Lei de Orçamento Anual, no MEC ou Ministério do Planejamento, o orçamento aumentou. Só que o que aumentou foram gastos que são relativos a salários ou aposentadorias, e não o gasto real. Nosso orçamento, hoje, pensando comparativamente, é menor do que no ano passado, com um agravante que para nós é muito sério. A verba da universidade vem como custeio e como capital, que é para obras, e esta continua contingenciada. Ao longo dos anos, foi contingenciada em quase 70%. A longo prazo, a Lei do Teto impõe uma realidade extremamente preocupante, porque o orçamento não pode aumentar. Se não tem como, e a despesa vai sempre crescer, por exemplo, em termos de pessoal, teremos de tirar de algum lugar. A verba para a manutenção da universidade acabará sendo muito diminuída em 20 anos. A gente não pode descontinuar os avanços que tivemos com relação às universidades no nosso país. Investimento em educação, ciência e tecnologia tem que ter perenidade. É investimento, não é gasto.
Só se poderá aumentar a despesa com pessoal?
Não, nem isso. O orçamento é tudo: é salário nosso, aposentadorias e outros. No salário tem dissídio, tem aposentadoria, o gasto sobe, independentemente de o governo querer. Se aumenta, e há um teto dos gastos públicos, há que se tirar de algum outro lugar. A luz, por exemplo, vai aumentar consideravelmente em breve. Os gastos vão aumentar e para honrá-los terei de tirar de algum lugar, porque meu orçamento não pode crescer, devido ao teto de 20 anos. A gente até entende que isso foi pensado para manter as contas, mas é incoerente nas áreas que são prioritárias para o governo e a sociedade, que são educação e saúde. Isso é muito preocupante.
A universidade está tendo de se adequar, como outras fizeram no ano passado, a ponto de cortar até insumos como papel higiênico?
Nós ainda não sabemos como será (este ano). No passado, tivemos de fazer alguns cortes. Temos priorizado as ações fim da universidade, que são ensino, pesquisa e extensão. E onde podemos reduzir os gastos, temos reduzido. Houve redução grande em relação às obras, que estão paradas. Concluímos duas agora: o prédio de atividades didáticas de exatas (CAD 3) e a moradia universitária. Mas temos algumas paradas por falta justamente de orçamento para capital e obras. Tivemos que fazer opções. Agora aguardamos para ver se esse orçamento previsto será todo liberado.
Com Assessoria Estado de Minas